Reunião com secretário de CTI explicita visões opostas sobre papel de universidade pública e relação com a sociedade. Reforma tributária e financiamento estiveram em pauta

Reunião com secretário de CTI explicita visões opostas sobre papel de universidade pública e relação com a sociedade. Reforma tributária e financiamento estiveram em pauta

Tão logo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou Vahan Agopyan, ex-reitor da USP, como secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, no início de 2023, o Fórum das Seis solicitou uma reunião. O objetivo era saber dele como seria a relação do novo governo com as universidades estaduais e o Centro Paula Souza, instituições alocadas em sua secretaria. Em resposta, Agopyan disse que não cabia agendar tal reunião, uma vez que as universidades detêm autonomia e, portanto, a conversa deveria ser feita diretamente com os reitores.

O Fórum voltou a oficiar o secretário, insistindo na necessidade da conversa, especialmente frente à iminência de aprovação da reforma tributária e suas consequências para o financiamento das universidades, além de outros temas que ganharam relevância posteriormente, como o Plano Plurianual e a PEC 9/2023 (o projeto que prevê cortes nos recursos da educação), enviados pelo governo estadual à Assembleia Legislativa (Alesp).

Desta vez, o retorno foi positivo e a reunião foi agendada para 18/12. A pedido do secretário, compareceram representantes das três reitorias: César Martins (chefe de gabinete da reitoria da Unesp), Paulo Cesar Montagner (chefe de gabinete da reitoria da Unicamp), Arlindo Philippi Junior (chefe de gabinete da reitoria da USP) e Wilson Aparecido Amorim (Diretor do Departamento de Recursos Humanos da USP).

O Fórum foi representado por sua coordenadora e presidenta da Adusp, Michele Schultz, e por diretora(e)s dos sete sindicatos que o integram (Adusp, Sintusp, ADunicamp, STU, Adunesp, Sintunesp e Sinteps).

Reforma tributária

Sobre a reforma tributária, o secretário lembrou que o governador assumiu o compromisso público de manter o “nível atual dos recursos” previsto para as universidades e que as reitorias têm atuado conjuntamente para dialogar com o governo sobre o tema. Representantes do Fórum pontuaram que, por enquanto, o compromisso do governador é apenas uma declaração política e que não traz tranquilidade à comunidade, uma vez que não sabemos sobre quais médias de arrecadação e sobre quais impostos o futuro percentual de repasse será estabelecido. Também manifestaram preocupação com a queda na arrecadação do ICMS, causada especialmente pela diminuição das alíquotas sobre combustíveis. Diferente de vários outros governadores, Tarcísio de Freitas não enviou à Alesp projeto de lei alterando estas alíquotas de 18% para 19,5%, de modo a recuperar os patamares anteriores de arrecadação.

O professor Paulo César, da Unicamp, confirmou que as reitorias já ouviram o compromisso do governador com a manutenção do financiamento, mas ressaltou que é preciso discutir mais e estabelecer as “regras do jogo”.

O professor Arlindo, da USP, informou que o texto da reforma tributária recém aprovado no Congresso havia acatado um parágrafo nos artigos 155 e 156, para garantir a manutenção do repasse às universidades. A pedido do Fórum, ficou de divulgar mais detalhes sobre o conteúdo do artigo.

O professor César, da Unesp, disse que o Cruesp criou um grupo de trabalho dedicado a estudar possibilidades e que, tão logo elas estejam mais delineadas, atenderá a solicitação do Fórum das Seis para discutir conjuntamente.

Reforma administrativa e PEC 9

A(o)s representantes do Fórum abordaram ainda dois projetos enviados pelo governador Tarcísio à Alesp. O primeiro deles, já aprovado, que instituiu a primeira fase da reforma administrativa no estado, voltada aos cargos comissionados e em confiança, na visão dos sindicatos, é um “balão de ensaio” para tentar impor ao funcionalismo prejuízos como a remuneração por subsídios, fim de adicionais como quinquênios e sexta-parte, entre outros. O outro é a PEC 9, ainda em tramitação na Alesp – aparentemente, sem consenso para aprovação neste momento –, que define a redução do percentual constitucional de repasse à educação pública paulista de 30% para 25% das receitas públicas.

O secretário Vahan justificou a reforma administrativa. Para ele, trata-se apenas de organizar as carreiras e garantir “melhores vencimentos”. Sobre a PEC 9, também não vê problemas, pois seria apenas uma questão contábil, de retirar da conta os gastos com os inativos, exigência que os governos estaduais estão sendo obrigados pelos tribunais de contas a cumprir pela inconstitucionalidade da manobra. “O governo não quer cortar nada, só separar os gastos”, assegurou.

A(o)s representantes do Fórum lembraram que os governos estaduais – desde os tucanos até o atual – nunca cumpriram o percentual mínimo de 30% para a educação, como preconiza a Constituição paulista. Se retirados os gastos com os inativos, o montante efetivamente destinado à educação não passa dos 23%. Destacaram, também, a necessidade de ampliar os investimentos no estado, que ainda convive com problemas graves, como o analfabetismo, os baixos índices de conclusão do ensino médio e o ínfimo acesso ao ensino superior. 

Concepções de universidade e relação com a sociedade

O questionamento lançado pela coordenadora do Fórum sobre o conteúdo do Plano Plurianual quadriênio 2024-2027, enviado pelo governador à Alesp, ensejou um debate sobre concepção de universidade pública e seu papel na sociedade. Michele pontuou que a estrutura do documento remete a um programa empresarial, com linguagem e jargões do mercado. Ressaltou que o objetivo explicitado em boa parte dos programas elencados no PPA é a transferência do fundo público para o setor privado. “Essa é uma concepção de universidade com a qual não concordamos.”

O secretário argumentou que, no tocante às universidades, o objetivo é transferir a produção científica e tecnológica para a sociedade. “As empresas lucram? Sim. Mas a sociedade também”, opinou. “Nosso desafio é dispor de todos os estudos e pesquisas das nossas universidades e colocá-los no mercado.”

“Sociedade não é a mesma coisa que mercado”, frisou Michele, lembrando que a ciência e a tecnologia devem estar a serviço da maioria da população, que sustenta a universidade pública, na garantia de acesso a direitos e a necessidades básicas. Questionou ainda a explicação de Vahan para parcerias com empresas, quando ele disse que precisava justificar o custo das universidades para a sociedade. Michele rebateu dizendo que não era custo, mas sim investimento.

O secretário considerou que suas palavras haviam sido distorcidas. “Não se deixem idiotizar pelas ideologias”, aconselhou.               

Carta ao secretário

Após a reunião, a diretoria da Adusp formulou uma carta ao secretário Vahan Agopyan sobre o debate a respeito do papel da universidade pública. O documento seguiu acompanhado do “Caderno 2” do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – Andes-SN, que traz os princípios e as diretrizes historicamente defendidos pela entidade.

Ao acessar o documento, será possível perceber que nossa concepção de universidade é bem diferente daquela que nos foi apresentada pelo senhor e talvez acatada por parcela de representantes das universidades estaduais paulistas presentes à reunião”, diz a carta. “Certamente, há conflito político entre tais visões, no sentido forte da palavra, incluindo concepções distintas do que deva ser público e do que seja privado”, prossegue o texto, deixando claro que isso não impede o respeito a visões diferentes de mundo, o que não parece ser a postura do secretário ao qualificar os representantes das entidades como vítimas de “idiotização ideológica”.

Muitas e muitos de nós trabalham com a natureza e o papel que cumpre a ideologia, especialmente no que diz respeito à sua função de tentar justificar injustiças, o que pode ser reforçado com a neutralização da crítica”, contrapõe a carta.

Sobre o papel da universidade, destaca:

(...) Por razões alicerçadas na experiência histórica, uma universidade atrelada aos interesses privados, essencialmente voltados à geração de lucro e de renda, não se traduz em justiça social. Frente a essa constatação, ao nosso ver, encontramos a justificativa de qual será a missão de uma universidade de fato pública. Até porque o conhecimento é essencial à humanidade e, como tal, é um bem público que não pode ser buscado e aprimorado quando atrelado aos interesses de “financiadores” privados.

(...) Nossas referências são as questões sociais, o enfrentamento de desigualdades e explorações que emergem quando a vida humana não é o propósito do desenvolvimento econômico de uma sociedade.

(...) Entender a sociedade como “mercado” ou o conhecimento como produto passível de ser comercializado, como mercadoria, sob a nossa visão, reduz cada indivíduo à mera ferramenta de trabalho. Em síntese, a produção de conhecimento, que ao lado do ensino e da extensão constituem o tripé atribuído à universidade, devem estar voltados para a emancipação humana, e não à reprodução de uma realidade, que em termos objetivos incentiva as opressões e a exploração, tudo em nome da “livre iniciativa” e de uma suposta excelência advinda da “concorrência”, do “empreendedorismo”.


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