Era uma vez em 2013: Avanços, desafios e reivindicações se entrelaçam em 10 anos de lutas na Unesp

Era uma vez em 2013: Avanços, desafios e reivindicações se entrelaçam em 10 anos de lutas na Unesp

“Foi importante para relembrar as lutas do movimento estudantil, que foram essenciais para a criação da COPE e da CPPE. Sabemos que há avanços na permanência estudantil na Unesp e reconhecemos isso, mas temos que ir além e defender nossas pautas, para que os estudantes entrem e permaneçam na universidade com qualidade.”

A fala é de Maria Augusta Haddad Benuncio, estudante do IQ/Araraquara e representante eleita para o Conselho Universitário (CO) da Unesp, em referência ao evento “Permanência Estudantil e Culturas Afirmativas: 10 anos COPE e CPPE na Unesp”, sediado no campus de Bauru, no anfiteatro Guilherme Ferraz, o “Guilhermão”, nos dias 23 e 24/10. Uma entre os vários discentes que tomaram posse nos órgãos colegiados centrais em meados deste ano, após duas décadas distantes da representação a que têm direito, ela fez o comentário durante a sessão do CO em 26/10/2023, realizada em Botucatu. Citou exemplos das pautas que estão na ordem do dia para o segmento, como os restaurantes universitários, as moradias, a necessidade de mais contratações docentes, entre outras.

O evento dos 10 anos repercutiu não só entre os estudantes, mas em todos os setores que têm a percepção do papel decisivo das políticas afirmativas e de permanência estudantil para que a universidade pública cumpra seu papel na sociedade.

“Foi uma experiência ímpar, uma bonita oportunidade de trazer à tona um pouco desta história de lutas, que tantos avanços trouxe à Unesp”, comemora o servidor técnico-administrativo, Jorge Guilherme Cerigatto, de Bauru, presidente da comissão organizadora da atividade.

Este boletim conjunto Adunesp/Sintunesp traz um pouco do que foi a atividade, resgata algumas memórias de 2013 – o ano de surgimento da Coordenadoria de Permanência Estudantil (COPE) e da Comissão Permanente de Permanência Estudantil (CPPE) da Unesp – e abre espaço para as expectativas em relação ao próximo período.

Pisa ligeiro... o efervescente ano de 2013

Ao final do evento em Bauru, a estudante Fernanda Lima, do curso de Pedagogia da FFC/Marília, leu um texto que traduziu um pouco do sentimento que embala o movimento estudantil da Unesp em 2023. Fernanda encerrou seu mandato na CPPE em setembro deste ano e, atualmente, ocupa representação discente na Comissão SANS e na Comissão Local de Permanência Estudantil da FFC.

O texto resgata que a greve de 2013, e esse ano como um todo, constitui um marco na história das lutas populares brasileiras. “Através de intensas mobilizações e conflitos, em uma greve onde paramos mais de metade da universidade, ocupamos prédios por todo o estado e a reitoria por duas vezes seguidas, conseguimos que a Unesp reconhecesse a necessidade de um órgão especializado na questão da permanência estudantil”, diz o documento, em referência à CPPE, a comissão paritária criada em 2013.Imagem 1Lembrando dos sacrifícios impostos àqueles e àquelas que tomaram parte, como as sindicâncias, a repressão policial, a perda de bolsas e outros, o documento ressalta que “o caminho é árduo, mas muito já foi conquistado”, e que ainda há muito por se fazer: “Enquanto houver movimento estudantil conectado às demandas populares, estaremos aqui para lembrar a instituição, aos gritos se necessário, de que a Unesp é uma universidade pública, gratuita, de qualidade, e que precisa estar ao serviço daqueles e daquelas que a sustentam com impostos: o povo paulista.”

Inah Miranda Rios Serra, estudante do campus de Ilha Solteira e membro atual da CPPE, reforça: “Engana-se quem acha que esses avanços surgiram de cima para baixo. A criação dessa Coordenadoria e da Comissão foram frutos de intensas manifestações da classe discente em 2013.”

“Essa história tem raízes”, concorda Antônio Luís de Andrade, Tato, atual presidente da Adunesp, um dos convidados a dar depoimento no evento dos 10 anos. Junto com representantes do movimento estudantil e do Sintunesp, Tato foi um dos que participaram das tensas negociações nas madrugadas que se seguiram à ocupação da reitoria pelos estudantes naquele efervescente 2013, ano de greve geral dos três segmentos na Unesp (leia boxPinceladas de história”). “Fechamos um acordo às 4h da madrugada e muitos dos estudantes que estavam ali sofreram perseguição depois, e nós ajudamos a defendê-los de todas as formas possíveis, inclusive judicialmente.”

O professor Mário Sérgio Vasconcelos, da FCL/Assis, coordenador da COPE, lembra que em 2013 e nos anos anteriores a situação era insustentável, com políticas frágeis e insuficientes de apoio aos estudantes. “Tudo isso virou reivindicação, tendo a criação de uma comissão especialmente para tratar da permanência estudantil como eixo central”. Chamado pelo então reitor, professor Julio Cezar Durigan, para contribuir nas negociações, ele tornou-se peça-chave no que se seguiu.  Em agosto de 2013, o CO deliberou pela criação da Coordenadoria de Permanência Estudantil (COPE) para elaborar e acompanhar programas e ações voltadas a combater a evasão. Concomitantemente, foi implementada a Comissão Permanente de Permanência Estudantil (CPPE), com composição paritária dos três segmentos: 5 estudantes, 5 docentes, 5 técnico-administrativos. Algo ousado e inédito na estrutura da universidade até hoje.  

A paridade nas estruturas de poder e nas eleições universitárias, aliás, é bandeira histórica não só dos estudantes, mas também dos técnico-administrativos, que se ressentem pelo peso desigual conferido a cada segmento, o famoso 70-15-15.

Nesse sentido, a bem-sucedida experiência paritária na CPPE, iniciada uma década atrás, tem sido exemplo e inspiração nas lutas por igualdade de representação desde então.

“Raramente temos votações na comissão, pois resolvemos a enorme maioria dos pontos por consenso, e o voto acaba não sendo tão importante assim”, testemunha o professor Fabio Stucchi, Vannucchi, membro da CPPE desde final de 2019, indicado pela Adunesp. “Percebo que a paridade propicia um ambiente mais aberto para a participação efetiva dos segmentos e as principais ações da COPE têm sido pautadas pelos encaminhamentos oriundos das decisões da CPPE.”

Políticas afirmativas e avanços

O surgimento da COPE e da CPPE deu-se no mesmo ano em que a Unesp implantou seu programa de cotas, a primeira entre as estaduais paulistas a fazê-lo. Lançada no vestibular de 2014, a meta de reservar a metade das vagas para alunos oriundos da escola pública, com 35% destas vagas destinadas a pretos, pardos e indígenas, foi alcançada já em 2018.

Essa nova realidade, com a presença cada vez maior de estudantes carentes das políticas de permanência para cursar e se manter na universidade, serviu para fortalecer a atuação das estruturas criadas em 2013. Nestes 10 anos, 43 mil alunos e alunas passaram pelas políticas de permanência estudantil na Unesp, sendo 35 mil já formados. De um orçamento em torno de R$ 8 milhões em 2013, a permanência saltou para cerca de R$ 56 milhões em 2023.

Atualmente, segundo a COPE, há 5.600 estudantes atendidos. Há restaurantes universitários em 10 campi e moradia em 13, houve a contratação de assistentes sociais e a ampliação dos auxílios socioeconômicos. Embora ainda se ressintam da falta de mais contratações, o avanço no trabalho dos assistentes sociais é visível. “Nossa participação na CPPE desde o início foi importante para definir critérios para o trabalho, como a necessidade das entrevistas socioeconômicas e outros mecanismos, que nos permitem uma compreensão mais ampla das vulnerabilidades do estudante”, explica Lenise Juliane Pedroso, assistente social na FFC/Marília e integrante da CPPE em sua primeira composição, em 2013.

“São muitos os avanços nestes 10 anos, mas vejo a consolidação da política de reservas de vagas e da permanência estudantil como a principal conquista. Nada garante que nos próximos anos conseguiremos manter essas políticas, mas o custo político de revertê-las seria alto”, opina o professor Fabio. Ele também cita como avanço a unificação das ações nas unidades universitárias, como por exemplo o calendário de pagamentos dos auxílios. “No plano mais geral, embora não exclusivamente associadas ao corpo discente, a criação da CAADI, a reformulação da Ouvidoria e a gestação de uma política de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável representam avanços significativos para a permanência estudantil.”

Imagem 3As lutas no horizonte

Durante o evento realizado em Bauru, além do resgate histórico das lutas que permitiram as conquistas que vieram de 2013 em diante, muitas das falas apontaram para os desafios do próximo período.

“Política afirmativa não é só investir em auxílios para estudantes, mas também em projetos de saúde, cultura, inclusão digital”, sinalizou o professor Mário Sérgio, da COPE.

Para registrar um apanhado das demandas da permanência estudantil que estão na ordem do dia, essa reportagem ouviu um representante de cada segmento na CPPE:Imagem 4“Nos assuntos mais diretamente relacionados à permanência (auxílios, processo seletivo etc.), além de conservar as conquistas, é preciso avançar em outras áreas, como incluir a pós-graduação, contratar mais assistentes sociais, unificar os processos (como os editais de seleção) e formular uma política efetiva para as moradias da Unesp. Localmente, é fundamental a implementação dos núcleos de apoio técnico à permanência, com assistentes sociais e profissionais ligados à pedagogia e psicologia escolar, eventualmente em parceria com a área da saúde.

Num plano mais amplo é necessária a integração das ações das coordenadorias centrais (COPE, CAADI, Ouvidoria, e Saúde e Alimentação), e a criação de uma Pró-reitoria pode ser um instrumento importante para essa articulação. Vejo, por outro lado, que a política de cotas e o colorido estudantil que temos conquistado ainda não teve o devido impacto (ou teve impactos tímidos) sobre outras áreas, como pesquisa, graduação e pós. Um avanço importante para a Unesp será repensar essas áreas sob a luz da permanência.”
Fabio Stucchi Vannucchi, docente do IB do campus do Litoral Paulista, representante na CPPE.               

“Precisamos de um repasse financeiro maior para a permanência, para atender todos com o auxílio socioeconômico, construir mais moradias, restaurantes universitários e criar e dar continuidade a programas diversos. (...).

Para além do investimento financeiro, é preciso também investir em ferramentas que visem mudar toda uma cultura ideológica ainda muito enraizada na nossa instituição, que inferioriza esses estudantes, colocando essas políticas como um ‘assistencialismo que atrasa o avanço da universidade’. Infelizmente ainda ouvimos, em diversos campi, relatos de que os estudantes de PE são gastos para a universidade, que reclamam de boca cheia. Enfrentamos desde direções que são desfavoráveis à construção de restaurante universitário, até moradias cercadas por câmeras de segurança, catracas e visitas limitadas. Sem contar os casos de perseguição institucional a estudantes que se mobilizam para lutar em favor da PE.

Cabe à instituição estudar, produzir dados científicos, contratar profissionais especializados e investir massivamente nessas políticas, trazendo o protagonismo discente como base primordial. E cabe a nós, estudantes, nos organizarmos politicamente para reivindicar de forma combativa, incisiva e também institucional o aprimoramento dessas políticas, tendo em vista as ameaças políticas e ideológicas que sofrem as universidades públicas do nosso país.”
Inah Miranda Rios Serra, estudante de Ciências Biológicas no campus de Ilha Solteira, representante na CPPE. 

“Acredito que o desafio maior da permanência estudantil na Unesp, depois destes primeiros 10 anos, é o acolhimento. Já avançamos bastante nos auxílios financeiros, embora sempre seja possível melhorar os valores e ampliar o universo de atendidos, e estamos discutindo e trabalhando para incrementar a moradia e a alimentação. Mas vejo que o acolhimento ainda é algo preocupante, pois a comunidade e a Universidade, de modo geral, ainda não estão preparadas. É preciso refletir e encontrar os caminhos e mecanismos para sermos mais acolhedores com esses milhares de estudantes que têm o direito de acessar e se manter com qualidade na universidade pública.

Também ressalto que nós, servidores técnico-administrativos, somos importantes para que as políticas de permanência estudantil continuem avançando na Unesp. Cabe a nós entendermos todo o processo, desde o ingresso e a matrícula, orientando-os permanentemente para a regularização de sua situação e garantia de acesso aos direitos. Por isso, é importante que a Universidade invista na preparação e aperfeiçoamento dos servidores e das servidoras que lidam diretamente com a permanência.”
Beatriz Galvão Nogueira, servidora técnico-administrativa no ICT do campus de SJ dos Campos, representante na CPPE.

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Evento em Bauru está gravado

As muitas atividades do evento “Permanência Estudantil e Culturas Afirmativas: 10 anos COPE e CPPE na Unesp” podem ser assistidas na íntegra.

A abertura está em https://www.youtube.com/live/tNcba3ixjyw?si=9vqPliw2PaghqJMl

As mesas redondas e apresentações culturais estão em www.youtube.com/@faacunesp014/streams

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Pinceladas de história: 2013 teve greve dos três segmentos, por isonomia, equiparação, paridade, permanência e rejeição ao Pimesp               

O ano de 2013 foi cenário de uma forte greve geral na Unesp, abraçada em proporções diferentes por estudantes, servidores docentes e técnico-administrativos.

No dia 24 de maio, logo após a segunda negociação da data-base 2013, entre Fórum das Seis e Cruesp, que não registrou avanços para além de um reajuste salarial de 5,39%, representantes dos três segmentos da Unesp (Sintunesp, Adunesp e Conselho de Entidades Estudantis Unesp/FATEC – CEEUF*) reuniram-se para avaliar a situação na Universidade. A paralisação dos funcionários em quase todas as unidades e dos docentes em algumas delas, naquele dia, bem como a greve dos estudantes em alguns campi e a mobilização em quase todos eles, eram indicadores da disposição dos três segmentos em batalharem pelo atendimento das reivindicações. Assim, numa importante iniciativa, houve a unificação em torno ao chamado pela greve geral a partir de 3/6.

Entre os servidores técnico-administrativos, a greve começou em 10 campi. Entre os estudantes, em oito. Entre os docentes, teve início em Marília e no Instituto de Artes, e na sequência aderiram Assis, Franca, Botucatu e Bauru.

Afinal, o que afligia os três segmentos?

O movimento estudantil, reavivado na Unesp como há muito não se via, expressava a necessidade de políticas efetivas de permanência estudantil em todos os campi, envolvendo itens como: moradia, restaurante universitário, bolsas de critério socioeconômico, entre outros. A reivindicação era que a gestão destas políticas tivesse a participação dos próprios estudantes, por meio de órgãos paritários e deliberativos. O pleito, como mostra esse boletim, foi vitorioso, levando à criação da Coordenadoria de Permanência Estudantil (COPE) e da Comissão Permanente de Permanência Estudantil (CPPE).

Entre os professores, a insatisfação decorria da junção de vários problemas, como a quebra da isonomia com as demais universidades (os valores do vale alimentação, por exemplo, eram inferiores aos pagos na USP e na Unicamp), a transformação da avaliação em mecanismo de pressão, a precarização das condições de trabalho, a dificuldade de ascender na carreira em meio ao excesso de burocracia e trabalho, entre outros. A mobilização daquele ano deu visibilidade aos temas e propiciou um grande salto organizativo para a Adunesp que, em meio a várias plenárias pelo estado, reativou a entidade em alguns campi.

Entre os servidores, o ponto nevrálgico era a quebra de isonomia com os colegas da demais estaduais, não só em relação aos benefícios, mas também pelas diferenças nos pisos salariais. A bandeira da equiparação, que se estende até os dias de hoje, vinha desde 2010, quando havia sido atendida parcialmente. Em 2013, numa histórica sessão do CO, em 15/8, um novo processo de equiparação foi aprovado, prevendo seis etapas. As duas primeiras etapas ocorreram (aplicação de uma referência de 5% em 2013 e outra em 2014, para todos) e as demais deveriam voltar à análise no CO. No entanto, a chegada da crise financeira em 2014 congelou a discussão, mantendo-a engavetada até a greve em 2023, quando houve a aplicação de mais duas referências.

Pimesp e cotas na Unesp

Em 2013, a comunidade das três universidades e do Centro Paula Souza (FATECs) foi surpreendida pelo anúncio do Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista (Pimesp), lançado pelo então governador Geraldo Alckmin. Havia muito debate sobre as políticas afirmativas naquele momento, mas a reivindicação geral era que a Unesp adotasse as cotas no formato já proposto pela legislação federal aprovada em 2012.

O Pimesp foi apresentado pelos reitores no início de 2013, a pedido do governo estadual, para tentar adequar de modo “diferente” o ensino superior público paulista à legislação federal, que previa a inclusão, até 2016, de 50% de egressos das escolas públicas, e dentro deste percentual, 35% de ‘pretos, pardos e indígenas’ (PPI).

O Pimesp propunha a inclusão no ensino superior público paulista “com mérito”: os cotistas entrariam inicialmente em cursos básicos de dois anos, à distância (em parceria com a Univesp); ao final do segundo ano, os 70% com maior aproveitamento teriam ingresso garantido nos cursos das universidades.

A proposta foi rejeitada pelos três segmentos em greve, ganhou críticas de todos os lados e acabou descartada. Foi considerada discriminatória e não inclusiva. Afinal, determinar outro caminho para o ingresso dos cotistas, impondo-lhe um curso básico à distância de duvidosa qualidade, que aumentaria em dois anos o seu trajeto até a conclusão do curso universitário, não poderia ser visto com bons olhos.

Descartado o Pimesp, a Unesp foi a primeira a aprovar a política de cotas entre as estaduais paulistas, para o vestibular de 2014, já no formato que temos até hoje, o que foi considerado um avanço pelas entidades representativas dos três segmentos. A meta de 50% de oriundos da escola pública, com 35% do total destinados para PPI, foi alcançada em 2018.

* CEEUF: Em 2013, o DCE da Unesp já estava desativado e a organização estudantil passava pelo Conselho de Entidades Estudantis Unesp/FATEC. A representação dos estudantes das faculdades de tecnologia (FATECs), vinculadas ao Centro Paula Souza, no entanto, viria a se separar nos anos seguintes. Atualmente, a sigla é CEEU.

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