“Autonomia e financiamento estão em jogo”, alertam participantes da audiência pública sobre reforma tributária  

“Autonomia e financiamento estão em jogo”, alertam participantes da audiência pública sobre reforma tributária   

Atividade teve casa cheia para ouvir as propostas do Fórum das Seis de novo mecanismo de repasse às universidades. Somente Unicamp enviou representantes

O auditório Franco Montoro, na Assembleia Legislativa de SP, ficou cheio na manhã de 10/12/2025 para a audiência pública intitulada “Reforma tributária e o financiamento das universidades estaduais”. O evento foi promovido pelo Fórum das Seis, com o apoio do mandato do deputado Guilherme Cortez (PSOL-SP). Caravanas de servidores e estudantes da Unesp, vindos de vários campi para participar de um ato público durante a sessão do Conselho Universitário (CO) no período da tarde, juntaram-se aos representantes das demais estaduais e do Centro Paula Souza.

Cortez, que é egresso do curso de Direito da Unesp de Franca, abriu a audiência manifestando apoio aos estudantes e servidores técnico-administrativos da Unesp, respectivamente em luta por mais recursos para a permanência e pela equiparação com os colegas da USP. “Nada justifica trabalhar igual e ganhar menos, a não o subfinanciamento e o fato de a Unesp ser a prima pobre das estaduais paulistas”, disse. Em seguida, o parlamentar chamou para a mesa Silvia Gatti, coordenadora do Fórum e presidente da ADunicamp, Márcio Moretto (presidente da Adusp), Guilherme Nogueira (representando os DCEs das três universidades), Malena Midões Suarez Rojas (pela União Paulista dos Estudantes Secundaristas/UEE), e os representantes da reitoria da Unicamp, André Biancarelli e Thiago Baldini. As reitorias da Unesp e da USP não atenderam ao convite para a audiência.

Subfinanciamento não é de agora

Primeira a falar, a coordenadora do Fórum lembrou que, se hoje as universidades estaduais são reconhecidas por sua qualidade e importância no desenvolvimento do estado e do país, “isso se deve em grande medida à autonomia que foi conquistada no início de 1989”. A conquista veio após a histórica greve (confira mais em https://tinyurl.com/BolAutonomiaF6), quando o então governador Orestes Quércia assinou o famoso “decreto da autonomia” (Decreto nº 29.598, de 2/2/1989), estabelecendo que Unesp, Unicamp e USP passariam a ser financiadas por 8,4% da quota-parte do estado no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS-QPE). O índice já começou subdimensionado, aquém do que as instituições vinham recebendo. Nos anos seguintes, a luta da comunidade universitária forçou a elevação do índice: para 9% em 1992 e 9,57% do ICMS-QPE em 1995, percentual que vigora atualmente e é insuficiente para fazer frente às necessidades de ensino, pesquisa e extensão nas estaduais paulistas.

“A manutenção dos 9,57% até hoje, quase 30 anos depois, após um enorme crescimento no número de estudantes, cursos e campi, impõe um subfinanciamento que se agrava a cada dia”, disse Silvia (veja no quadro a seguir). Ela citou ainda o crescente ingresso de estudantes oriundos das cotas, que necessitam de apoio para se manterem e concluírem os estudos.

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Silvia também se referiu às escolas técnicas (ETECs) e às faculdades de tecnologia (FATECs) mantidas pelo Centro Paula Souza, que sequer contam com verbas vinculadas, como é o caso das universidades, e dependem da boa vontade do governador a cada ano.

No meio do caminho, a reforma tributária

A histórica luta pelo aumento de recursos para as universidades estaduais paulistas passa a ter novos contornos com o advento da reforma tributária. Aprovada no final de 2023, a reforma extinguirá progressivamente o ICMS. Em seu lugar, surge o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que começa a vigorar em 2026, com uma parcela simbólica de 0,1%, aumentando ano a ano até substituir plenamente o ICMS em 2033.

O presidente da Adusp fez uma exposição sobre a proposta que o Fórum das Seis tem para adequar as universidades à nova realidade. Um estudo feito pelo Grupo de Trabalho (GT) Verbas do Fórum, a partir de uma análise histórica do período entre 2012 e 2022, apontou que o ICMS-QPE corresponde, em média, a 86,38% da Receita Tributária Líquida (RTL) do Estado. “É necessário criar um novo mecanismo estável, previsível e transparente. A proposta é defender um modelo semelhante ao da Fapesp, que é vinculado à RTL”, destacou Márcio Moretto.

Pela proposta, que considera todos os itens que o governo estadual exclui do ICMS-QPE antes do repasse, as universidades passariam a ser financiadas por 8,64% da RTL.

“A transição pode ocorrer a qualquer momento, sem a necessidade de aguardar 2033”, disse Moretto, defendendo que o piso de 8,64% da RTL seja adotado o quanto antes. “Isso garantiria estabilidade para as universidades.”

Fotos Audiencia

Crise de financiamento

“O que vemos hoje nas estaduais paulistas não é uma crise financeira, mas sim de financiamento, que serve a um programa político contrário à educação pública”, ressaltou o estudante Guilherme, do DCE da Unesp, em referência à enorme expansão vivida por Unesp, Unicamp e USP desde o início deste século. Ele reforçou a importância da proposta do Fórum das Seis para o financiamento das universidades.

“Além de apenas trocar de um imposto para outro, precisamos conquistar uma fonte de financiamento mais segura, e um aumento real no orçamento repassado para as estaduais, que seja condizente com o crescimento das três universidades e para que elas possam avançar nas políticas de permanência estudantil, nas políticas de segurança alimentar, na valorização dos servidores e docentes, e para que tenhamos uma estrutura de qualidade que atenda às demandas da comunidade”, disse o estudante.

Cruesp também tem proposta

Em 2024, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) criou um grupo de trabalho para estudar o impacto da reforma tributária sobre as universidades. O professor André Biancarelli, representante da reitoria da Unicamp na audiência pública, era um dos membros. Ele lembrou que os estudos do grupo concluíram em uma proposta muito parecida à do Fórum das Seis, de 8,63% da RTL.

“Nós entendemos que a RTL seria uma base mais estável para o financiamento das universidades do que o ICMS é atualmente”, comparou o docente. “O ICMS vem perdendo relevância, pois várias atividades são sub tributadas, além das isenções e desonerações.”

Biancarelli fez coro à fala inicial da coordenadora do Fórum, sobre a importância de autonomia para as universidades. “Ela garante previsibilidade para formar pessoas e fazer ciência.”

Nota da redação: Desde que o Cruesp divulgou sua proposta, o Fórum das Seis vem cobrando os reitores a defendê-la publicamente, o que raramente foi feito. 

Debate vai continuar. Mobilização será crucial

Na maioria das falas durante a audiência, predominou a avaliação de que, mais do que técnica, a discussão é política. A mudança terá que ser discutida com o governo Tarcísio de Freitas, que não esconde seu descontentamento com a autonomia das estaduais paulistas, e com os parlamentares da Alesp. A comunidade acadêmica precisa estar atenta e pronta para se mobilizar em defesa da garantia de financiamento adequado.

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